O compartilhar de coração – Monte Vera (Santa Fé) e Ruta 40 Norte da Argentina

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A família de Rene, eu e Tati na ruta 40, Norte da Argentina.

A chance de entrar nas casas da pessoas seguramente foi a melhor parte da viagem até aqui. Desde Montevera, quando estivemos perto da família do meu amigo Horácio Aguirre, até a RUTA 40 no povoado Colalao del Valle quando fomos recebidos por uma família na beira da estrada, que nos ofereceu quarto, comida e muita emoção.

O turismo tradicional nunca foi o meu maior prazer ou interesse e isso se confirma a cada dia nessa viagem. Estar perto das pessoas e sentir um pouco da vida delas nos lugares que vivem é um outro caminho. Compartilhar a mesa e as histórias de vida dá sentido a busca do início da viagem, que é a de abrir e clarear a mente, conhecer uma nova cultura de verdade e mergulhar em auto conhecimento.

O norte da Argentina te dá os dois lados dessa moeda, o da verdade e simplicidade do povo e a do turismo de consumo. Basta você escolher. No meu e no nosso caso (eu e Tati), optamos pelo caminho da incerteza do que pode vir a acontecer e mergulhar no povo. Mas é claro, essa é uma decisão que tem a ver com ideais e também com possibilidade financeira. Porque quanto mais perto da praça central das cidades turísticas obviamente mais cara estará a água, o almoço e o lazer.

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Eu e Tati junto a família do meu amigo Horácio, em Monte Vera, Santa Fé, antes de partir para o Norte.

Estávamos indo de Taffi del Valle em direção a Cafayate e resolvemos parar em uma lanchonete/artesania na estrada. Fomos recebidos pela família de Rene, que nos mostrou o artesanato vendido por ele, na beira da estrada, de várias pessoas da região. Vinhos, cerâmica, tecelagem, madeiras de cactos locais entre outros. Pedimos pra dormir no carro, ao lado da casa, por segurança, e acabamos cantando em uma roda de violão, tomando mate, vinho e comendo pão com queijo feitos por eles mesmos. Falamos sobre política local, história, as vidas de todos e pude sentir como o contato e o compartilhar fez bem tanto pra eles quanto pra nós. Me emocionei durante a noite e não pude me conter.

De início íamos dormir no carro ao lado da casa e fomos convidados a dormir em um dos quartos da casa feita de adobe, jantar e tomar café com eles. A história dessa família é linda. Descendentes direto dos índigenas da região, os Quilmes que guerrearam durante 130 anos com os Espanhóis pelas suas terras, nasceram e moram no local até hoje. Rene, o pai da família, foi quem construiu a casa com as próprias mãos, tijolo por tijolo de adobe. A primeira parte demorou um ano e hoje, quem passa na estrada e olha pra sua construção pode ver uma casa enorme e linda. Muito amor e carinho em cada detalhe. Ser recebido assim, sem mais nem menos, me injetou esperança nas pessoas. Quanto mais simples e conectados as raízes essenciais delas, mais próximas elas estão umas das outras.

No brinde do vinho, Rene fez questão de deixar um gole para a “pacha mama”e brindou nossa visita. No dia seguinte a emoção chegou nele, que segurava as lágrimas na despedida. Família linda, experiência linda.

Meu endereço e telefone estão com eles. Os espero no Brasil.

Um homem sem um ideal não é nem metade do que pode ser.

Não há outro caminho pra morte tranquila se não o caminho da crença em algo. Algo que venha do fundo do coração, cheio de verdade e força.

Obrigado pelos ensinamentos.

Hasta siempre.

Família de Colalao del Valle que nos recebeu em sua casa. Abriram as portas como se fossemos de sua família. Eles tem um artesanato na beira da estrada na Ruta 40 e são descendentes diretos dos Quilmes, indígenas guerreiros que viveram na região e travaram uma guerra de 130 anos com os Espanhóis. No blog vou contar melhor a linda história dessa família e desse encontro.

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A hipnose da estrada. 14 hs de asfalto em um dia! – Monte Vera – Tafi Del Valle

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DIa 4.1, segunda-feira fizemos nosso record na estrada. Revezando no volante, eu e Tati percorremos 871 km em 11hs e 12 min. Bom, na verdade, entre as paradas passamos cerca de 14 hs na estrada. O que é mais incrível é que mal sentimos o impacto. A estrada vicia e hipnotiza. Esse transe causado pelo asfalto e a mudança de paisagem, sempre nova pra nós, a cada km, fez com que chegássemos em Tafi Del Valle inteiros e empolgados. Existia um cansaço, é claro, mas a alegria de conhecer um lugar encantado como Tafi fez superar tudo.

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No caminho vimos um pequeno deserto de sal no meio do nada. Paramos e nos emocionamos com a sua beleza. Passamos por pequenos povoados até chegar em Santiago Del Estero, com a expectativa de encontrar algo interessante que nos fizesse parar pra dormir. A cidade estava como uma cidade fantasma, mas nesse caso não tinha poesia nenhuma nisso.

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Uma cidade como qualquer outra, sem nada de mais nem de menos… quer dizer, muito menos que mais.  Seguimos em direção a Tucuman, e a sujeira e o ar de “grande cidade” nos desanimou. Avistamos algumas belas arquiteturas, mas perdidas numa selva de pedra em miniatura. Mais do mesmo, pensamos. Em 1 minuto partimos pra Tafi Del Valle sabendo que bem ou mal seria nosso destino final nesse dia. Uma das estradas mais lindas que percorremos e com uma lua cheia presenteando e iluminando a escuridão entre montanhas, precipícios e riachos. ESPETACULAR!

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Como no dia anterior, resolvemos dormir dentro do carro, pra baratear a viagem. A Fiat Strada virou um cafofinho aconchegante e dormimos pesado dentro do camping municipal.

Deixamos de sonhar acordados pra dormir um pouco.

A pobreza e a riqueza de um povo. Hasta Siempre! Tafi Del Valle 5.01.15

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Minha barba não para de crescer, a comodidade da vida estática começa a perder sentido e a viagem passa a nos tocar cada vez mais profundamente. Mais uma vez tenho a certeza de que viajar, aberto a mergulhar nas pessoas e na realidade de cada local, faz nosso mundo se abrir imensamente.

O padrão que estamos acostumados a ver no dia a dia e que se repete em todas as grandes cidades do mundo não existe em um pequeno vilarejo de artesãos ou em uma pequena casa no meio do deserto. Afinal, estar isolado significa o que? O mundo não é um só.  O mundo não é só São Paulo, Curitiba, Buenos Aires, Nova York ou Rio de Janeiro. O mundo do Miguel, artesão, é sua casa no sopé da montanha de Tafi del Valle; o mundo do pastor de ovelhas no deserto é a aridez e sua solidão social. Os caminhos são muitos mas só vem quem quer e só segue quem estiver a fim. Estar lutando pra sobreviver na loucura capitalista dos grandes centros, também pode significar isolamento. E o pior isolamento possível, o isolamento de si mesmo.

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A relação de pobreza e riqueza é facilmente questionada nessas horas. As pessoas que conhecemos aqui vivem com muito pouco. Suas casas são quase todas construídas da técnica de Adobe, que mistura terra, água e palha para fazer tijolo quase sem custo algum. A comida que comem vem, basicamente, de suas hortas e da troca de alimento entre as famílias. O artesanato garante um dinheiro a mais e a natureza e a simpleza das coisas torna as relações um tanto mais importantes. Eles acordam e tem as montanhas, o sol, as nuvens e uns aos outros pra se amar.

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Na primeira das famílias que conhecemos, depois de um oi rápido e um presente que dei pras crianças, um massageador de cabeça que tinha comprado em Buenos Aires pra dar um relax na viagem, fomos conduzidos para um tour por suas vidas. Foi nos ensinado a base da técnica de adobe, conhecemos sua casa e a família inteira. Joguei bola com as crianças.

Depois no caminho, ganhamos presentes e damos presentes, fomos convidados para passeios à cavalo pelo prazer da companhia e a troca de experiências. Nos foi apresentado um templo à Pacha Mama por um morador que faz trabalho com pedras e fomos convidados para uma prece a mãe terra.

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É incrível como a pequena distância de um capitalismo mais agressivo, transforma as pessoas duras em seres cada vez mais humanos. Da parte baixa e turística de Tafi para a parte alta e escondida são como duas cidades diferentes. Uma, onde por mais belas paisagens que tenha, o dinheiro parece ser (em uma leitura superficial) o princípio, meio e fim. Em outra,  o dinheiro é quase esquecido e o desejo de acolhimento é o começo, meio e fim.

Saí desse dia com menos bens materiais, que fui deixando no caminho, com alguns presentes… e muito, muito carinho e esperança no coração.

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Como ouvimos de um dos artesãos no sopé da montanha depois que toquei algumas canções pra ele e ele nos presenteou com uma oração para a Pacha Mama e seu trabalho em pedra:  HASTA TODOS LOS MOMIENTOS! HASTA SIEMPRE! Porque usted van estar siempre comigo ahora.

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