Arquivo mensal: dezembro 2014

Buenos Aires com pouco dinheiro e sem celular – 28.12.14

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Chegou a hora de Buenos Aires! Um grande centro urbano, que não é minha preferência, mas que tem muita história pulsante e um povo com espírito combativo, o que sempre me agradou e me fez querer ver e saber mais.

Dia 25 de dezembro chegamos por aqui, depois de passar a ceia de natal num lugar lindo no Uruguai chamado Colonia del Sacramento. Foram dias gostosos por lá com muita tranquilidade e paz.  A alegria de voltar para Buenos Aires, que foi o berço do meu projeto solo, foi muito grande. E se daquela vez a cidade me inspirou, dessa vez foram as pessoas! Conhecemos muita gente linda por todos os cantos, o que me faz acreditar que mesmo diante da grandeza caótica de uma cidade grande, ainda é possível ver o movimento de carinho, acolhimento, amizade e beleza.

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Nos hospedamos graças  ao amigo Diego Cotelo, em Vicente López, região metropolitana da capital. Por isso, pudemos ser acolhidos em uma área residencial e tranquila, longe da loucura. É claro que muitas das coisas que fizemos foi na área central, como as feiras da Recoleta e San Telmo, ou a Milonga Catedral, que vale muito a pena pra conferir o tango de forma orgânica e acessível. Um lugar interessante pra mergulhar na história portenha é ir a Plaza de Mayo, onde se vê as faixas de protesto e um acampamento, que já dura 6 anos, dos ex combatentes argentinos da guerra das Malvinas. Além deles, as mães dos filhos “desaparecidos” na ditadura protestam semanalmente e a luta continua, como em todos os lugares que há injustiça e desigualdade. Latino América de guerreiros e de um povo sofrido, por todos os lados.

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No dia 25 chegamos e fomos a uma festa na casa da Julia Ortiz e celebramos o natal por lá com ela e seus amigos numa onda tranquila num dia de muito calor. Depois, entre idas e vindas de Vicente Lopez para a capital, pude curtir o dia 26 de uma forma que gosto muito, fazendo música!!
Através de um convite do Marcelo, dono do Martillo estúdio de Buenos Aires, abri um ciclo de cantautores Argentinos gravando 3 canções. Tomamos mate, conversamos sobre a música do país e posso dizer que fomos muito bem recebidos e a música saiu de forma mágica e especial.
A parte isso, pude sentir um turismo que não faz parte de minhas vontades e naturalidade. Gritava aos meus olhos, em alguns lugares, perceber que o registro de uma foto ou vídeo muitas vezes tirava as pessoas de viver aquele momento para poder construir uma alegria estética e compartilhá-la no facebook ou instagram. Nos bastidores da maior parte das fotos que vi, as pessoas estavam sérias ou se arrumando, e assim que o click estava para acontecer o sorriso vinha ao rosto. Logo após o sorriso desaparecia e a produção hoolywoodiana voltava a se tornar a mais banal e desinteressada vida cotidiana. Afinal, uma bela foto, no ângulo certo, com o  filtro certo pode “dar alma” a alma que falta por lá. Será?!

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A crise na Argentina é gritante e dá pra sentir no comportamento e no discurso de cada cidadão. E é claro, nos preços!!! A dificuldade pela qual os hermanos estão passando faz com que, por muitos momentos, se enxergue o sofrimento no rosto da classe mais trabalhadora e consequentemente a exploração dessa época relacionada ao turismo. Parece que estão tentando ganhar tudo que der agora pra garantir o que vem por aí. Em muitos lugares uma água pequena de garrafa está por R$10,00, ou um copo de suco na rua por R$17,00. E ouvi dos próprios vendedores que o preço vai subir ano que vem. Mas onde há dor também há poesia. Em um dos restaurantes que paramos pra comer conversei com o garçom sobre a situação do país. E toda essa dureza e dificuldade, assumida e intensamente vivenciada virava canto de força e garra nessa língua que pra mim é música. Ao se despedir, o garçom, Ernesto, falou: “Si, esta muy mal para nosotros. Pero, bueno… hay que seguir adelante. ” Com força nos olhos, seguiu seu movimento diário de luta, que pra mim é vida.

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Bom, que uma viagem é o mergulho sem medo no abismo do incerto isso eu já sabia, mas agora mais do que nunca. Prefiro cada vez mais a chance da beleza feia ou torta das pessoas e histórias longas,  do que dos shows, cartazes e sorrisos construídos.

“Viver para a verdade é andar na contramão de um tempo em que um sorriso pode ser escravidão”
Amanhã partimos pra reencontrar um grande amigo meu, Horácio Aguirre, em Rosário.

Montevideo visto de dentro da casa de um artista local – dia 19.12

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Ao chegar em Montevideo esperávamos a mesma tranquilidade do povo Uruguaio das pequenas cidades, mas com o receio do que uma cidade grande pode fazer com as pessoas. Claro que como toda concentração de gente, Montevideo absorve mais algumas identidades de fora, mas é marcante a força e a manutenção da cultura em cada pessoa e comportamento.

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Fomos muito bem recebidos no http://www.destino26hostel.com/ que é parceiro da viagem. Pegamos um ônibus para a Ciudad Vieja e caminhamos pelas ruas. Conhecemos as praças, fachadas antigas, sentimos a energia do lugar.

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Almoçamos no Mercado del Puerto, clássico e famoso e pra quem gosta de carne aqui é uma perdição. Eu, por sorte, não faço muita questão e como quase nada de carne, mas aqui não resisti. E, poxa, tava uma delícia!

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Saindo de lá entramos em uma livraria pequena e perguntei pra dois rapazes o que eles poderiam indicar pra conhecermos que não fosse muito turístico e que tivesse a essência da cultura Uruguaia. De pronto um deles se empolgou e começou a falar das opções. Logo me disse que era músico e compositor. Seu nome é Nico. Dei meu disco de presente e, como quase todas as vezes que faço isso por aqui, recebi naturalmente um outro “regalo”. Ele me disse que não tinha um presente físico para me dar e nos convidou para sua casa para ouvir a pré-produção do seu disco novo. Subimos e foi emocionante.

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O papo começou sobre as ideias musicais, ele ouviu meu cd e logo após falou da minha pessoa como se me conhecesse melhor que eu mesmo, somente por ouvir o disco. Nico é de uma grande sensibilidade e um artista de alma, sem amarras ou pressões. Na verdade o Uruguai é assim. Se a seleção nacional volta com a quarta colocação na Copa do Mundo eles são recebidos como campeões. O mesmo na música. A ideia da desconstrução da canção e dos comportamentos mais rotineiros está pulsante no trabalho de Nico e me pegou de jeito, já que estou na pré-produção de um disco novo que caminha por aí. É difícil viver em uma “ditadura”da indústria musical, da linguagem pop que se demonstra tão rígida. Assim, seguimos fazendo música e cantando, mas com medo de sair desses lugares cômodos e “certeiros”. Nico já saiu faz tempo. E refletir sobre isso fortalece minhas novas buscas.

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Nos encontramos como um encontro especial e lindo, que tinha que acontecer. Acaso ou não, o primeiro dia em Montevideo passamos na casa de Nico com ele e sua esposa. Nos falou da “família” dos cantautores Uruguaios desde Gardel até Jorge Drexler e hoje em dia como Diego Azar, que nos indicou. Mergulhamos na realidade e na vida da música de Montevideo, conhecemos nomes e ideias e posso dizer que sai desse encontro mais sensível e crente na desconstrução do meu próprio ser. Na desconstrução do ser que foi se moldando com o passar dos anos. A liberdade é difícil de ser alcançada e também de ser vista.

Que seja intenso como uma viagem, que seja fluído como um rio.

Ah, depois pela noite fomos ao Casino Carrasco e ficamos ricos. Agora vamos viver viajando. Ganhamos R$100,00.

O barqueiro e o artesão de Balizas & a contradição intrigante de Punta Del Leste

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Dia 17 de Dezembro, quarta-feira pela tarde, fomos para Balizas. Um lugar incrível que é cheio de natureza selvagem e pessoas simples que vivem num ritmo tranquilo. Ao chegar lá fomos direto para o principal ponto de referência, as dunas que são separadas por um rio que desagua no mar. É uma visão bonita e pra chegar lá tem que pegar um barquinho pra fazer a travessia, a não ser que alguém queira ir a nado. O preço da travessia é $40 pesos uruguaios por pessoa, que dá em torno de R$4,00. A praia vai longe e pudemos curtir um tempo de calmaria entre as gravações de vídeos.

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Na volta puxei um papo com Miguel, o barqueiro que transporta as almas vivas de um lado para o outro. E aí começou as primeiras delícias humanas do dia. Ele se abriu com a gente e contou sobre sua relação com o mar. Disse que vem de uma família de pescadores e sua vida inteira foi sua relação com a água. Depois de aposentado, com 75 anos, sentiu falta de tudo aquilo e teve que arranjar um jeito que ainda conseguisse manter sua relação com o mar, que segundo ele, em cheiro, gosto e imagem é a maior felicidade que tem em sua vida, junto a sua família. Miguel é o melhor retrato do Uruguaio idoso do litoral, com seu jeito cheio de carinho, palavras profundas e sensíveis sobre a vida e uma vontade enorme de, nas palavras dele mesmo, “passar o melhor dele como Uruguaio para cada um que tem contato com ele”. E assim os Uruguaio vão dando seus passos, com orgulho de seu país e povo e a vontade de abraçar cada um que se aproxima.

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Saímos da praia alguns metros depois passamos por uma banquinha que me chamou muito atenção: “COR EN MATE”. Ali tinha poesia!! Paramos o carro e vimos o trabalho lindo de um artesão que faz desenhos e pinta os “mates” e as “bombillas”.

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Observando troquei uma ideia com ele e descobri algumas coisas legais da origem do mate e da origem do trabalho dele. O rapaz me contou, com sua família observando na casa atrás da tenda de madeira, que a tradição dessa produção vem de seu pai e seu sogro, que faziam juntos, esse trabalho bonito. Agora, além de uma forma de ganhar a vida, era também um jeito de unir a família em torno de uma ideia. Aí ele já emendou sobre todo o ritual e a intenção do mate, das rodas de mate, que a de compartilhar, unir, proporcionar encontros. Que cultura linda!!

Ele me contou também que os primeiros a tomarem o mate foram os índios guaranis no Paraguai, que já faziam uso dessa forma da erva muito antes dos Europeus chegarem. Ou seja, coisa nossa. Coisa Latino Americana.

Não resisti a disponibilidade e abertura e dei um cd “La Buena Onda”de presente pra ele. Sem tempo pra pensar ele reagiu rápido e pegou um de seus trabalhos, um instrumento percussivo feito da mesma cabaça que fabrica as cuias pro mate. A ideia da troca e do compartilhar não está só no discurso.

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Bom, com corações cheios, as vistas repletas de belezas e a vontade de mais fomos rumo a Punta Del Leste, como passagem para Montevideo, já que tinhamos um hostel nos esperando. Estávamos receosos em conhecer e parar em Punta porque tudo que ouvimos tinha relação com ostentação, glamour, dinheiro, muito dinheiro e outras coisas assim. Parecia muito contraditório com tudo que tínhamos visto até então no Uruguai. Mas fomos arriscar!

Ao nos aproximarmos de Punta começamos a constatar tudo que nos haviam dito. De cidades lindas e praticamente artesanais passamos a ver tudo aquilo que já conhecemos em outras cidades envoltas pelo dinheiro no mundo. Prédios enormes e modernos. Restaurantes chiques, lanchonetes americanas e coisas assim. Confesso que eu quase desisti de parar lá, mas a Tati me convenceu a darmos uma olhada, afinal já estávamos ali mesmo.

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E aí quando consegui desconstruir meus pensamentos e me abrir pra beleza do lugar comecei a entender porque tanta gente visita Punta. Uma beleza natural perfeita, com uma praia principal que mais parece uma piscina, um pôr do sol que beija a água antes de dormir e uma calmaria absurda.

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É claro que tivemos sorte pois a temporada pra valer ainda não começou, então pegamos uma época tranquila e mesmo assim com bastante gente pelas praias e ruas.

Dali, pegamos a estrada para Montevideo, pela noite. Cansados mas felizes por conhecer tanta gente linda e também por nos permitirmos vivenciar algumas coisas que de início não faríamos. Siga la ruta!!

Ahora, Montevideo!!